Não há razão para qualquer dúvida quanto à aplicabilidade da Lei da Ficha Limpa a pessoas que, no passado, praticaram atos por ela reputados como suficiente para implicar em inelegibilidade.
Não se trata de retroação. Uma pessoa que foi condenada permanece nesse estado até que finalmente se livre de todas as conseqüências jurídicas dessa situação. Uma decisão condenatória proferida por um órgão colegiado pode, com base no art. 1°, I, e, da Lei da Ficha Limpa, impedir a candidatura de alguém.
Se isso ocorre, é porque até o momento do registro da candidatura o pretendente a candidato não conseguiu se livrar do seu incômodo status jurídico. Por isso ele incide no critério de inelegibilidade. Não se trata de retroação, mas da subsunção de um estado jurídico a uma regra de afastamento da inelegibilidade.
Sabemos que é usual, na redação de hipóteses de inelegibilidade, que se empregue o verbo no futuro do subjuntivo. Basta ver que a própria Lei de Inelegibilidades (LI), alterada pela iniciativa popular, já utilizava esse tempo de conjugação.
Exemplo disso é o texto atual do art. 1º, I, g, da LI. Segundo o dispositivo, “são inelegíveis os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas (...)”.
Essa redação estimulou candidatos a, logo após a edição da referida lei, questionarem a aplicação do dispositivo a casos pretéritos. Resultado disso foi a sedimentação da jurisprudência no âmbito do Supremo Tribunal Federal no sentido de que, as hipóteses de inelegibilidade abarcam, sim, fatos ocorridos no passado.
Vejam o que decidiu o STF:
EMENTA: - CONSTITUCIONAL. ELEITORAL. INELEGIBILIDADE. CONTAS DO ADMINISTRADOR PÚBLICO: REJEIÇÃO. Lei Complementar nº 64, de 1990, art. 1º, I, "g".
(...)
II. - Inelegibilidade não constitui pena. Possibilidade, portanto, de aplicação da lei de inelegibilidade, Lei Compl. nº 64/90, a fatos ocorridos anteriormente a sua vigência (MS nº 22087-2, Rel.: Min. Carlos Velloso).
Como se vê, basta que o Supremo Tribunal Federal siga aplicando a sua jurisprudência sobre o tema para que a Ficha Limpa deite seu impacto sobre os que já se amoldam aos perfis repelidos pela inovação legislativa de origem popular.
Não se trata de uma eficácia retroativa, o que só ocorreria se a nova lei permitisse a desconstituição de mandatos obtidos na vigência da lei anterior. O que ocorre é apenas a aplicação de novos critérios de inelegibilidade, sempre baseados na confrontação entre circunstâncias fáticas e o conteúdo da lei.
Quando a Constituição vedou a sucessão por cônjuges e parentes, certamente não se imaginou permitir que aqueles que já estavam nessa condição antes da edição da norma pudessem participar do pleito.
Não se trata, como já se afirmou, de uma retroação do comando normativo, mas da aplicação dos seus efeitos a partir da edição da norma, confrontando-a com eventos passados.
Mas isso não encerra a questão. É que a Lei da Ficha Limpa prevê expressamente sua aplicação aos casos ocorridos antes da sua vigência, o que fica claro quando se lê o seu art. 3º, que se transcreve a seguir:
Art. 3º Os recursos interpostos antes da vigência desta Lei Complementar poderão ser aditados para o fim a que se refere o caput do art. 26-C da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, introduzido por esta Lei Complementar.
Trata-se de norma de transição, voltada a explicitar o mecanismo pelo qual pessoas já condenadas por instâncias colegiadas antes da edição da lei devem agir se pretenderem obter o benefício na suspensão cautelar da inelegibilidade previsto no art. 26-C da Lei da Ficha Limpa.
Referido dispositivo assenta de forma incontestável a incidência da inelegibilidade sobre os que sofreram condenações anteriores à vigência da lei de iniciativa popular.
Há ainda um argumento definitivo, capaz de auxiliar na interpretação do âmbito temporal de incidência da inovação legislativa.
Se fosse possível interpretar o dispositivo de modo a considerar que a aplicação dos novos institutos jurídicos não pode atingir fatos ocorridos no passado, chegaríamos à inadmissível conclusão de que grande parte dos que estariam inelegíveis na vigência da lei anterior estariam agora livres para lançarem-se candidatos.
Ficaríamos, assim, diante de uma situação insustentável: a liberação da candidatura de condenados por decisões criminais, por improbidade e por abuso de poder econômico e político ainda que transitadas em julgado, uma vez que a lei que hoje permite a limitação dessas candidaturas já estará revogada quando do registro das candidaturas.
Ou seja, a lei estaria sendo interpretada de um modo absolutamente inverso ao que motivou milhões de brasileiros e a unanimidade da Câmara e do Senado a vedar as candidaturas que a sociedade quis proibir.
A Campanha Ficha Limpa tem um sentido claro. A sociedade brasileira espera que suas normas sejam aplicadas desde logo, atingindo todos aqueles que estiverem incursos nas hipóteses delineadas na nova lei.
domingo, 13 de junho de 2010
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